TJPA - DIÁRIO DA JUSTIÇA - Edição nº 6870/2020 - Sexta-feira, 3 de Abril de 2020
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namoro com a ofendida quando esta ainda era uma criança de tão somente 8 anos. 40. São situações
totalmente diferentes! 41. No caso dos autos, a ofendida contava com 13 anos de idade à época e, logo
em seguida ao relacionamento sexual, passou a viver maritalmente com o acusado, somente não
perdurando a união em razão da interveniência do Estado, já que ficou claro que a adolescente disse
gostar do réu, e que não continuou a convivência porque o Conselho Tutelar não permitia. 42. De mais a
mais, não se pode deixar de levar em conta a peculiar situação da sociedade marajoara, em especial, da
comarca de Anajás, localizada no centro geodésico da ilha, cujo acesso somente se dá por meio de
barcos, muitas vezes após longas 17 horas de navegação rio a dentro, local esquecido pelo Estado, com
baixo índice de escolaridade, alto índice de doenças tropicais, como malária, dengue, febre amarela,
doença de chagas, fatores que influenciam diretamente no comportamento da sociedade local. 43. É muito
comum, ao que reputo lamentável, mas esta é a realidade local, ver adolescentes em tenra idade já em
iniciação de sua vida sexual - inclusive influenciados pelos meios de comunicação, aliado aos costumes
desta sociedade distante do aparato Estatal de proteção social -, frequentando rodinhas de mesas de
bares, festas, pilotando motocicletas, comportamento próprio de jovens adultos, que muitas vezes sequer
possuem a maturidade intelectual para entender a situação de suposta vulnerabilidade da adolescente. 44.
Não se descura, ademais, que a aplicação da pena está condicionada a necessidade da sanção penal,
conforme se dessume do comando estatuído no art. 59, caput, do CPB, segundo o qual o juiz, atendendo
à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às
circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme
seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime (...). 45. Ora, pergunto-me qual seria a
necessidade de aplicação da lei penal no caso concreto, onde temos um jovem, trabalhador, sem
antecedentes criminais, em que o único crime foi a prática de sexo consentido, relegando-o ao falido
sistema carcerário brasileiro, e colocando-o ao mesmo nível de traficantes, homicidas, latrocidas e
assaltantes, encarcerando-o juntamente com integrantes de organizações criminosas, já que o Estado,
sabidamente, descumpre as normas de execução penal, e não faz a devida separação de seus apenados.
46. Amparado, pois, nestas premissas, em especial na necessidade de se conjugar o preceito
mandamental incriminador com os costumes da sociedade moderna, e a realidade social, entendo que o
consentimento livre e voluntário da ofendida, devidamente demonstrado durante a instrução, figura como
causa de justificação supralegal, razão porque desaparece o segundo substrato do crime, qual seja, a
ilicitude. DISPOSITIVO 47. Do exposto e de tudo mais que consta dos autos, com fulcro no art. 386, inciso
III, do Código de Processo Penal, JULGO IMPROCEDENTE a acusação contida na denúncia e
ABSOLVO, por conseguinte, LUIZ CARLOS DE SOUZA DA SILVA da imputação que ora lhe fora feita, de
ter praticado o delito capitulado no art. 217-A, do CP. 48. Considerando a ausência dos pressupostos
autorizadores da prisão preventiva, assim como de efeito suspensivo ao recurso de apelação, é que
concedo ao réu o direito de apelar em liberdade. 49. Ao trânsito em julgado da presente, realizem-se as
comunicações necessárias à baixa nos registros policiais. 50. Publique-se, registre-se e intime-se,
arquivando-se cópia para os devidos fins. 51. Expedientes necessários. Anajás, 31 de março de 2020
__________________________________________ ITHIEL VICTOR ARAUJO PORTELA Juiz de Direito